Um país de chicos habitado por Totós
Eu sou um 'totó'. E quando olho para a esquerda e para a direita enquanto escrevo esta crónica só vejo 'totós'. Ser 'totó' tem as suas vantagens. Acreditamos que contribuímos para uma sociedade mais justa, que somos uma das pedras basilares da democracia, idealizamos um país melhor e à noite dormimos descansados. 
Qualquer um pode ser 'totó'. Para isso basta cumprir todas as suas obrigações fiscais qualquer que seja a sua situação profissional, acreditar que a justiça ainda funciona, que o sistema público de saúde é o melhor que existe, que a educação pública é uma alternativa e que os políticos ainda podem mudar, a eles próprios e ao que está mal no país. 
Se tiver um emprego por conta de outrem (principalmente numa empresa responsável, multinacional ou cotada em bolsa), então é logo promovido a 'totó', mesmo que não o queira. 
Às vezes chamam-nos 'cidadãos responsáveis', e ficamos orgulhosos com o rótulo, até ao momento em que encontramos o 'chico-esperto'. 
O 'chico tipo 1' lamenta-se a toda a hora da situação do país, do Estado que não funciona, do Governo que nada faz, dos ricos que são pulhas e que são vítimas. E depois vivem à custa dos impostos dos outros através de um Estado social cada vez mais ineficiente e trabalham aqui e ali numa economia paralela. 
O 'chico tipo 2' trabalha para o Estado, num organismo ou empresa pública qualquer, tem o seu ordenado garantido, não tem de se preocupar com o futuro, cruza os braços porque "sempre foi assim" e sonha todos os dias com os direitos adquiridos. 
O 'chico tipo 3' é o rei dos 'chicos'. Poder de compra elevado, atividades liberais, milhões de rendimento quase todos não declarados, utilização de empresas prestadoras de serviços, de offshores. E depois passa os dias a dar conselhos de como se devia ou não gerir o país. 
As contas públicas do primeiro semestre mostram como este país de 'chicos-espertos' continua a ser mantido por 'totós'. O Estado continua a gastar cada vez mais (mais 5,1%), como se não estivéssemos em crise, e a pouca contenção orçamental é conseguida à custa de mais impostos (mais 6%). Tal e qual como aconteceu nos últimos 10 anos. 
Podem agora andar a discutir revisões constitucionais, crises políticas e eleições que os 'chicos' agradecem, pois permite-lhes manter o seu status sem terem de mexer uma palha. E claro que podem contar sempre com os 'totós' para continuarem a pagar os seus impostos, para sustentarem o Estado e para ainda dizerem "obrigado por nos deixarem fazê-lo". 
Quando falo com pessoas da minha geração sobre o futuro tenho sempre as mesmas respostas. Alteram entre o "se pudesse ia-me embora" e o "vou-me embora", mas são unânimes em dizer "vou aconselhar os meus filhos a fazê-lo". 
Como seria este país de 'chicos' sem os 'totós'? 
por João Vieira Pereira (www.expresso.pt) 
 
4 comentários:
Um dos estereótipos destacados neste texto me chamou a atenção: "O 'chico tipo 2' trabalha para o Estado, num organismo ou empresa pública qualquer, tem o seu ordenado garantido, não tem de se preocupar com o futuro, cruza os braços porque "sempre foi assim" e sonha todos os dias com os direitos adquiridos." Destaco-o, pois, faço parte do Serviço Público Federal e vejo que faço parte do sistema dos Chicos. O mais cômico é que queimamos pestanas, passamos noite a fio estudando para passar em um concurso público para fazermos parte destes Chicos. Mas, sabe por quê? Por que o sistema de Empresas privadas fazem de nós escravos especializados, e como a oferta e procura por emprego é tão grande que ainda nos ameaçam, dizendo que se não nos submetermos ao medíocre salário e as péssimas condições de trabalho outros vão aceitar. Então diante deste contexto, por que não fazer parte dos Chicos. Segundo a opinião de muitos, Funcionário público não trabalha! Que pena que temos uma visão tão grotesca do Serviço público. Antes questionava se esse ciclo vicioso não poderia mudar, mas, vejo que não. OS chicos não querem sair de sua zona de conforto, não querem sair da rotina de um sistema arcaico. Questionar esse sistema é mexer com valores, e dizer para aquele velho funcionário público que ele precisa se mexer, se tornar produtivo, sabe o que ele vai me dizer: Pra que procurar sarna para me cossar, se nada vai mudar. A mudança gera conflito, que gera mudança, que gera questionamentos. E isso exige pessoas com cabeças pensantes, e não somos educados a pensar, somos educados a sermos condicionados, a não questionarmos e sempre a aceitarmos tudo o que é imposto pela mídia ou pelo governo. Então sejamos todos alienados e empurremos a vida com a barriga e vivamos viver com nosso ordenado. Viva a Democracia e ao poder publico!!!
Tsmbém estou no grupo de Chico tipo 2... rsrsrs.
Mas, hoje todos querem serem Chicos!!! A estabilidade, a não pressão de sempre ter que mostrar que é bom 100%, o estresse de sempre ter que ter a sensação de todo dia ter que matar um leão para garantir seu emprego. É cômodo e fácil ser servidor público. O estresse é só o de passar em uma prova, fazer exame admissional e esperar 3 anos por sua estabilidade. Depois, disso ser apenas um mero funcionário que faz suas 40 horas semanais. Não temos que nos preocupar com produtividade ou chefe estressado lhe dizendo que se o serviço sair medíocre será demitido. Se você quiser fazer a diferença é uma escolha sua, mas, não mexa com quem está em sua zona de conforto, se não...Então gozemos dos benefícios e carpi diem... Fiz parte do setor privado e não tenho saudades dele!!!
Verdade!
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